quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Para os que se foram

Nas últimas duas semanas dois motociclistas conhecidos se foram. Ao considerar os últimos dois meses foram três. São eles Fernando Arquimedes, presidente do Pará Moto Clube, Glauco Ângelo, do moto clube Carcarentos de Imperatriz e Álvaro Larangeira, gaúcho que morava em Maceió, motociclista muito experiente e com dois livros escritos sobre motociclismo. (As fotos estão na sequência dos nomes).
O Fernando morreu de ataque cardíaco e o Glauco e o Álvaro de acidente de moto. O mais velho tinha 55 anos apenas (Fernando).
Infelizmente eu estava presente quando Glauco foi considerado morto na rodovia TO-222 em Tocantins (detalhes em outra postagem no blog). Álvaro morreu na manhã do dia 14/09 (segunda-feira) e na noite do dia anterior eu tinha conversado com ele ao telefone. E também tinha conversado com Glauco duas horas antes de seu acidente. Todos eram ótimas pessoas, pais de família.
Essas recentes perdas me fizeram pensar muito a respeito dos riscos de andar sobre duas rodas, e mais ainda sobre a fragilidade da vida. Uma coisa que diminui a tristeza com a morte do Álvaro é que ele já tinha declarado que se morresse dirigindo uma moto morreria feliz. É claro que ninguém fica feliz ao morrer, mas o que ele quis dizer é que preferia correr o risco a deixar de viver o que ele amava. Álvaro era assim mesmo. Preferia viver o que tinha que viver, a se amedrontar atrás de uma pretensa segurança. Álvaro saiu de Porto Alegre para viver um grande amor, uma moça que havia conhecido ainda muito jovem e que o destino separou. Eles se reencontraram e ele resolveu ir atrás de sua felicidade. Mudou de cidade, de emprego e preferiu viver a se esconder atrás do medo.
Fernando Arquimedes viveu também um grande amor, com sua esposa Edna. E ela é a única pessoa que não deixará ninguém ocupar sua cadeira em sua casa. Para a Edna o Fernando é único. Se ele tivesse deixado seus compromissos de trabalho interferirem nisso, que tipo de troca ele estaria fazendo? Ele também se dedicou ao motociclismo, que foi sua outra paixão. Fez por amor, isso lhe deu prazer. Não foi por status ou para conhecer um monte de gente.
Ao saber da morte de Álvaro fiz várias reflexões. Na noite anterior ele estava tão feliz de ir viajar, parecia muito bem consigo mesmo. Quem poderia imaginar que aquela seria sua última noite? É isso mesmo, estamos à beira de um precipício todos os dias. Um passo em falso e caímos. Não enxergamos este precipício, mas ele está lá, sempre.
Esquecemos tantas vezes de viver, fazemos tantas coisas para agradar aos outros, deixamos de ser quem nós somos, a troco de quê? Um dia isso não fará a menor diferença e aqueles que mais nos condenaram, que mais tentaram conduzir nossas vidas, simplesmente nem se lembrarão de nós. Passadas duas semanas no máximo essas pessoas nem falarão mais em nossos nomes.
Por isso não vale a pena deixarmos de ser quem somos, deixar de viver o que temos que viver. A nossa vida é só nossa, só nós sabemos nossas necessidades, aquilo que nos faz feliz. Um dia satisfazer a uma ou outra pessoa, ou à nossa comunidade, não fará diferença nenhuma para nós. Seremos apenas um retrato na parede, ou uma lembrança guardada.
Fernando fez o que gostava de fazer, Glauco também e Álvaro ainda mais. Se morreram antes do tempo, é a fatalidade. Fernando morreu de ataque cardíaco, mas poderia ter morrido de acidente de moto, ou câncer, ou acidente de avião. Não importa muito tudo isso, a morte é uma certeza, acontecerá em um dia ou no outro.
O que importa é que se temos essa vida – por mais curta que seja – resta-nos vivê-la pelos nossos valores, termos a coragem de fazer o que devemos fazer. Porque ao final nada fará diferença.
Lutamos e nos desgastamos para ter um cargo, status, e por causa disso nos tornamos insanos. Deixamos de fazer o que gostamos. Todos três trabalhavam, eram profissionais ainda em atividade. Em uma semana, ou menos, um outra pessoa já estará ocupando a cadeira no trabalho, dando novas ordens, e dizendo frases de efeito do tipo "...agora na minha gestão..."; "...vou estabelecer um novo ritmo de trabalho a esta função..."
Estas pessoas, invariavelmente, tentarão ser melhores do que os que se foram, e muitas vezes tentarão apagar as lembranças daquele que se foi.
Aquele que morre torna-se livre, porque não tem mais a quem prestar contas, não tem mais que lutar por nada, não tem mais o sofrimento ou a alegria. Digo isso porque mesmo a alegria e o amor é uma prisão. Se somos alegres, lutamos cada dia para continuar a sê-lo; assim como, se sofremos, passamos a vida toda lutando contra o sofrimento. Somos então prisioneiros do amor e da dor.
A morte então nos liberta, porque não sofremos mais as conseqüências de nada. Não temos que temer nada. Nada importará a quem morre.
E então? Simplesmente passei a entender mais ainda que acumular muita riqueza, preocupar-se exageradamente com o futuro, é tão inútil. Como diz a Bíblia: "Não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. O futuro cuidará de si mesmo! "Basta a cada dia (hoje) o seu mal. Ao homem cabe-lhe o dia de hoje". (Mat.6:34). Você pode acordar hoje e não ter um "amanhã". O futuro não existe. Ele é apenas uma vontade nossa. Queremos que ele seja assim, ou assado. Mas ele será como terá que ser, independente de nossa vontade.
Sem querer, Álvaro, Glauco e Fernando me deixaram uma lição a ser aprendida, e a oportunidade de um momento de reflexão. Sem querer eles me fizeram mais livre, porque me importo menos com coisas que não deveriam me preocupar. Eu hoje me importo menos com o que os outros pensam, e mais com o que eu gosto de ser.
Gostaria de agradecê-los por isso, mas minha única forma de agradecer é a lembrança destas pessoas. Que fiquem em paz com Deus.

8 comentários:

Unknown disse...

É com muita tristeza que escrevinho estas poucas linhas....

A vida tem desses defeitos, alguns se vão de forma precoce e brutal deixando órfãos todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, participavam dos projetos, alegrias e visões de futuro daquele que foi tolhido de uma vida plena de luzes e amores. Alvaro estava na plenitude da vida.

Há menos de uma semana recebi um telefonema dele solicitando-me sugestões de estrada para uma viagem que faria em breve à São Luís, no Maranhão. Ele queria um roteiro que seguisse direto de Maceió à capital maranhense sem passar pelo litoral. Na volta ele passaria por Fortaleza para visitar-me...

Em janeiro deste ano tive o prazer de ser recebido pelo Alvaro em Maceió, onde ele, com muito carinho, nos ofereceu um festivo almoço juntamente com sua simpatissíssima família. Conversamos muito. Havia brilho nos olhos dele quando falávamos em livros, em viagens, em motocicletas. Apesar do longo almoço, não tivemos tempo para tantos outros assuntos em nossas pautas mentais.

Doeu receber a notícia. Doi muito mais saber que não mais teremos como botar em dia as conversas que ficaram para uma outra oportunidade.

A pedido dele, eu estava criticando o projeto de seu próximo livro - Machos Dominantes, Fêmeas Seletivas. Em breve o devolveria, falei ao telefone...

Alvaro Larangeira, um dos mais prolificos membros da ABRME - Academia Brasileira de Motociclistas Escritores - autor de O Passeio, A Arte de Pilotar o Medo dentre outros livros não relativos ao motociclismo.

A saudade vai ficar. Como lembra John Donne no poema abaixo, um pedaço de mim se foi.

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.





Luiz Almeida

Motochileiro disse...

Luiz, vc disse tudo. Apesar do pouco que conheci o Álvaro, tivemos afinidade em muitos pontos. Eu também tenho livro escrito, atuo como professor universitário, inclusive na área de administração e tecnologia, como ele. Esperava ansioso por sua vinda a Belém, programada para o outubro. E também ía mandar a ele um exemplar de meu livro.
Para mim a notícia foi um choque. Fiquei sabendo por meio do Fábio, amigo motociclista que receberia o Álvaro em sua casa em Teresina, a pedido meu. Fábio ficou sabendo ao ligar para a casa do Àlvaro, porque ele estava demorando a chegar em Teresina. Depois liguei para o Beto, amido do Álvaro, que esteve neste fim-de-semana aqui em Belém, onde moro.
Sinto por não poder fazer uma última homenagem ao Álvaro e dizer à sua família como sinto a morte desta pessoa ímpar.

Sergio disse...

Mesmo os amigos não motociclistas, como eu e tantos outros com quem tenho conversado em Maceió, sentiram na morte do Álvaro que, por mais triste que seja a perda de uma pessoa querida, ele se foi realizando um projeto de vida. Que esteja feliz e descanse em paz.

João Luis e Simoni disse...

É muito triste ter que acostumar com a ausencia de um amigo. Glauco, eu e meu marido viajamos por 8.500 kms pelo Brasil a 4 meses atras. Ainda não deu pra aceitar o que aconteceu. Perdemos um amigo, companheiro e (como ele mesmo dizia) UM CAMARADA.
Realmente são lições que temos na vida, mas isso dói muito.
A morte é o grande mistério da vida e é o mistério que ninguém quer desvendar. Só sabemos que vamos um dia.
SIMONI PINHEIRO

Motochileiro disse...

Simoni,
Eu sinto pela perda deste motociclista amigo. Pensei muito na sua família, como estaria se sentindo. Tentei ir até a casa dele quando passei por Imperatriz, no dia seguinte ao ocorrido, dar meus pêsames à família, porém não sabia seu endereço, nem consegui falar com um outro amigo em comum que mora em Imperatriz pelo celular.
Por favor, fale à família por mim.

Unknown disse...

Olá Motochileiro, estou retribuindo a sua visita ao blog da Balzaca e encontro este post sobre amigos que se vão sem combinar com a gente.
Eu fiquei 10 anos sem moto por causa dos constantes sustos no cada vez mais paulista trânsito do RJ, voltei este ano a andar. Achei a Balzaca, comprei e estou muito feliz.
"Só os motociclistas sabem porque os cachorros colocam a cabeça pra fora da janela do carro."

Motochileiro disse...

Adorei esta frase. Vou usá-la em outras ocasiões.

George disse...

Caro Motochileiro... desculpe a quantidade de linhas. Um amigo me passou este link e eu quis dividir o que vem abaixo com todos.
Li o que escreveu e compartilho de tudo. Eu estava naquele momento trágico do Glauco. Fazia parte da turma de Carajás, que estava, inclusive, sendo recepcionada por ele e pelos Falcões de Aço, de Araguaína.
Eu e mais dois amigos fizemos os primeiros atendimentos ao Glauco - massagem cardíaca e respiração boca a boca - até a chegada dos paramédicos. Um de meus amigos chorava muito e pedia: "companheiro, não deixa a gente!", entre uma e outra respiração artificial. Ficamos ao lado dele até o momento em que o médico falou que não havia mais jeito. Posso te dizer que não há como descrever a dor e a frustração que sentimos no momento.
Quis o destino que a nossa dor não parasse por aí, pois ele (o destino) colocou a família do Glauco no mesmo hotel em que ficamos hospedados. Vi sua esposa e seu filhinho. Vi sua mãe e a dor inconsolável que carregava no peito. Ora, eu tenho um filho de 10 anos, e também sou filho... imagino o que seja uma criança ficar sem o pai. Da mesma forma, como pai, imagino a dor que aquela senhora sentia.
Na noite anterior à nossa viagem de volta de Araguaína a Carajás, não consegui dormir. Todas as imagens se misturavam na minha cabeça. Quando cochilava, sonhava com aquela senhora e seu sofrimento.
Lembrei-me que, ao seguir para Araguaína, naquela trágica noite, de repente me vi chorando sem parar. Só conseguia pensar que foi uma vida que se perdeu. Quando cheguei ao hotel, meu filho agiu com naturalidade (ele havia visto o corpo do Glauco e os primeiros atendimentos que fizemos) e me perguntou se eu estava bem. Eu o abracei e disse: "Tô bem, sim, filho. Olha só... a culpa disso não é da moto. Não deixe colocarem isso na sua cabeça. Todos podemos morrer a qualquer hora. A única coisa que podemos fazer é tomar cuidado e sermos conscientes em nossos atos.".
E tudo isso ecoava na minha cabeça. Não sei se meu estado de choque veio em efeito retardado, mas a imagem daquela senhora chorando muito, na porta do hotel, enquanto olhava nosso grupo preparando as motos para viajar no outro dia, aquilo acabou comigo. O pior era não poder fazer nada. Nada diminuiria a dor que ela sentia.
No final, durante a viagem de volta, tive muito tempo pra pensar no que aconteceu e em tudo o que aprendi. A solidariedade que vi, naquela noite, ainda não havia visto igual. Lembrei da recepção dos Falcões de Aço e de uma foto do Glauco em sua moto, sorrindo, que havia sido tirada por um colega, poucos minutos antes que ele saísse pro seu último passeio. Todos falavam o quanto o Glauco era um grande camarada. Vi que existe muito mais, por trás dos motoclubes. É realmente uma família. A única diferença é que todos têm um mesmo objetivo: Curtir a vida sobre 2 rodas.
Você comentou sobre o amor pela motocicleta. Realmente, não há sensação melhor do que a que se tem quando estamos sobre 2 rodas. Essa é a vida que escolhemos, abraçando inclusive os riscos inerentes à sua prática.
Eu ainda não havia falado sobre o assunto, nem sobre o que havia sentido. Não sei por que, mas decidi fazê-lo aqui, agora.
Nesse momento, enquanto escrevo, apenas uma coisa me vem em mente: O medo da morte é grande, mas o medo de não viver é maior ainda.
Assim, vivamos o máximo que pudermos! Que os momentos sobre 2 rodas "sejam eternos enquanto durem". Lembremos dos que se foram como eles eram... e da alegria que sentiam quando podiam sair em suas montarias. Eles tiveram sua parcela de felicidade, como temos (até quando, não sabemos) a nossa, até que chegue o nosso dia.
Um abraço a todos.
(george_ptr@hotmail.com)